Fonte: VIVA BEM
Em excesso, o açúcar contribui para uma série de patologias. É o que têm mostrado as evidências científicas divulgadas nos últimos anos. Até aí, nenhuma novidade, mas você sabia que esse consumo elevado é um fator de risco para o surgimento de transtornos mentais? “O açúcar é um agente inflamatório para o organismo. E quando há uma inflamação ela também acomete o sistema nervoso central. É uma inflamação generalizada, e todos os transtornos psiquiátricos têm sido bastante relacionados a essa questão”, afirma Eduardo Perin, psiquiatra, especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).
No sistema nervoso central há células que fazem parte do sistema imunológico do cérebro, e quando essas células inflamam por excesso de açúcar ou demais razões, elas atacam os neurônios. “Elas têm uma relação muito forte com a piora dos quadros e até mesmo com a causa dos quadros psiquiátricos. Isso está cada vez mais sendo comprovado”, diz Perin. Como o açúcar “inflama” o cérebro O excesso de açúcar faz o pâncreas fabricar muita insulina e, com o tempo, o corpo começa a criar resistência a esse hormônio. Esse processo faz com que haja o acúmulo de gordura na região do abdome. “Quando acumulamos muita gordura nessa região, as células de gordura fabricam substâncias inflamatórias. Então, na verdade, o excesso de açúcar é a ponta do iceberg”, diz Andressa Heimbecher Soares, médica endocrinologista, membro da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e e Metabologia). Em seguida, essas substâncias circulam na corrente sanguínea e agem no organismo inteiro, embora o fígado seja o mais acometido. “É um processo que aos poucos vai fazendo com que o corpo tenha sintomas difusos. E quando essas substâncias chegam ao cérebro, elas também causam alterações”, relata Soares.
Frederico Porto, médico psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), nutrólogo e professor convidado da Fundação Dom Cabral (MG), explica que quando o corpo está em um estado pró-inflamatório, as substâncias chamadas citocinas (proteínas que modulam a função das células) atravessam a barreira hematoencefálica —uma espécie de filtro entre os vasos cerebrais e o próprio cérebro—, e inflamam o órgão, favorecendo o surgimento de doenças.Há, entretanto, outras hipóteses para explicar essa relação entre o cérebro e o açúcar. Adiel Rios, mestre em psiquiatria pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e atual pesquisador no IPq (Instituto de Psiquiatria) da Faculdade de Medicina da USP, diz que evidências recentes indicam que a interação intestino-cérebro é modulada pela composição da microbiota intestinal (micro-organismos que habitam o intestino), que é fortemente influenciada pelo excesso de açúcar.
De acordo com ele, um desequilíbrio na microbiota intestinal já foi associado ao transtorno depressivo maior, transtorno bipolar e até mesmo à esquizofrenia. Quais transtornos o excesso de açúcar pode causar? Em geral, todos os transtornos psiquiátricos podem ser agravados ou até surgir com a ingestão descontrolada. Segundo Porto, por exemplo, há indícios de que a depressão é decorrente do processo inflamatório no corpo. “Seria uma das razões pelas quais o ácido graxo ômega 3, que é anti-inflamatório, funcionaria para mitigar sintomas da doença”, avalia.Quadro semelhante ocorre com a ansiedade, na qual a má alimentação também é apontada como um dos fatores de risco. “Com dificuldade de adaptação ao excesso de alimentos ‘ruins’, a capacidade que o organismo tem de lidar com o estresse diminui drasticamente, o que aumenta o risco do desenvolvimento de quadros ansiosos”, explica Porto. Um artigo publicado no periódico Scientific Reports analisou a associação do consumo de açúcar de alimentos e bebidas com a ocorrência de transtornos mentais comuns em mais de 5.000 homens e mais de 2.000 mulheres, por um período de 30 anos, entre 1983 e 2013.Ao final do trabalho, os homens que consumiram muito açúcar tiveram um risco aumentado em 23% de ter transtornos mentais como ansiedade e depressão após cinco anos.
E homens e mulheres com transtornos de humor e alto consumo de açúcar também tiveram maiores riscos de apresentarem depressão recorrente após 5 anos, em comparação com aqueles que tinham um baixo consumo. “Os estudos sugerem que isso aconteça pelo fato de o consumo excessivo de açúcares favorecer estresse oxidativo, que é o estado que o nosso corpo fica quando os níveis de antioxidantes não são altos o suficiente para compensar os efeitos nocivos dos radicais livres”, esclarece Carolina Tajra, psiquiatra do Hospital Brasília.A orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde) é de que o consumo de açúcar não ultrapasse 10% das calorias diárias. Considerando uma dieta de 2000 calorias, essa taxa equivale a 50 gramas de açúcar por dia (cerca de 10 colheres de chá).Há como prevenir esses problemas? Manter uma dieta equilibrada é sempre uma boa opção para ajudar na prevenção.
Mas isso não significa que a alimentação sozinha pode prevenir transtornos mentais, entenda que ela é apenas um dos fatores que podem ajudar. Sendo assim, o ideal é evitar o consumo de alimentos industrializados e priorizar a chamada “comida de verdade”, feita em casa e com ingredientes naturais.Vale priorizar também o consumo de alimentos fontes de ômega 3 (gordura boa), como o peixe e a linhaça, que além de ser anti-inflamatório, torna a membrana do neurônio mais fluida, facilitando a troca de neurotransmissores como a serotonina, substância responsável pela regulação do humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sensibilidade e funções cognitivas. Você pode investir também em legumes e verduras, principalmente em folhas verdes, como a couve, que são ricos em vitaminas B2, B6, B12, zinco e ácido fólico. Essas práticas evitam os picos glicêmicos, que favorecem os descontroles alimentares.
Veja outras práticas que ajudam na prevenção de transtornos psicológicos:
Beber de 2 a 3 litros de água por dia;
Praticar exercícios físicos regularmente;
Manter a rotina de afazeres organizada;
Meditar;
Fazer psicoterapia;
Ter um bom convívio social.
Fontes: Adiel Rios, psiquiatra e atual pesquisador no IPq (Instituto de Psiquiatria) da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo); Andressa Heimbecher Soares, médica endocrinologista, membro da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); Carolina Tajra, psiquiatra do Hospital Brasília; Eduardo Perin, psiquiatra pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC) pelo Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas da USP; Frederico Porto, médico pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com especialização em psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da mesma universidade, nutrólogo pela Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) e professor convidado da Fundação Dom Cabral (MG); Rafael Maksud, psiquiatra da Clínica Ame.C pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), especialista em saúde pública, psiquiatria ambulatorial e dependência química.